Dia 19 – 31 de Agosto
As estórias que a histórias fala...
Esta noite nas montanhas foi soberba! Tendo em conta que
estamos à beira de uma auto-estrada e que o silêncio se parece mais com o de uma
estância de repouso! Nem mesmo a modernidade de uma construção desta
envergadura a cortar caminho por dentro dos montes das Astúrias conseguiu
remover a pureza do ar límpido que aqui se respira… Puro e muito muito
fresquinho…
A tiritar de frio mas por outro lado revitalizados por
estarmos aqui, convertemos a carvan em veículo turístico e aprontamo-nos para
rumar a Léon.
Anteontem tínhamos em vista seguir pela costa norte, mas dadas as condições atmosféricas acabámos por mudar de trajeto
por isso nem mesmo os planos com a duração de um par de dias conseguem
resistir à imprevisibilidade da vida em fluxo contínuo. Não conseguimos estar
noutro lugar que não o que estamos no momento, aceitando com simplicidade o
estado natural de mudança que se nos apresenta sem aviso, mas sempre em
harmonia com as nossas escolhas do dia e mais ainda – com as nossas escolhas
para a viagem.
Deixar fluir, rendidos à simplicidade de Ser momento a
momento, apreciando a abundância plena e completa da vida em si mesma – é esta
a nossa grande escolha para a viagem inteira.
E para o meu dia de hoje a escolha é absorver a sabedoria em
equilíbrio pacífico, onde quer que vá, totalmente rendida à minha Essência.
É esta a placidez que me envolve por dentro e por fora
aquando da chegada a Léon – cidade sossegada mas com um casco histórico bem
movimentado, onde visitamos a sua portentosa catedral gótica por estarmos
fresquinhos acabados de acordar e porque o valor do ingresso é muito baixo,
quando comparado com a maioria dos monumentos por onde passámos até agora.
Andamos pela cidade durante cerca de duas horas, como de
costume. Palmilhamos tudo o que nos parece relevante, ainda que saibamos que
cada um dos sítios que temos visitado se prestaria a dias inteiros, até mesmo
mais do que um, em cada lugar. Mas a natureza e propósito desta viagem é outro…
como disse, viver em fluxo contínuo, como um rio, acompanhando o movimento do
espaço/tempo sem sairmos do nosso lugar seguro – bem no nosso centro, sem sair
nunca do Aqui e Agora.
Urge-nos de seguida visitar Zamora – tão famosa devido ao
tratado de Zamora, um marco de paz assinado a 5 de outubro de 1143 entre D.
Afonso Henriques e o seu primo Afonso VII de Leão e Castela, data esta tida
como a data da Independência de Portugal.
Muitas e rocambolescas histórias se passaram aqui. Tenho a
certeza. Cada pedra da rua ecoa os cascos dos cavalos, o arrastar de pés
descalços ou os tacões da nobreza, a azáfama do dia-a-dia de época após época.
Gentes que viveram e pereceram numa imensidão de estórias mais ou menos
sofridas.
Poder observar assim a realidade como se de um cinema se
tratasse, com o mesmo desprendimento quer se trate de uma estória alheia ou da
nossa própria, devolve-nos a capacidade de perspetiva e permite-nos escolher
que caminho seguir.
A antiguidade mistura-se com a modernidade e de uma forma ou
de outra a busca foi, é e será a da Paz.
Se cada ser humano percebesse que ela reside no seu cerne e
retirasse a armadura, o escudo e a espada, fazendo as pazes dentro de si mesmo,
esse jogo terminaria e teríamos todos uma experiência bem diferente aqui na
Terra. Mas como isso só pode ser feito querendo, cabe a cada um decidir se quer
paz ou guerra e ,querendo paz, fazer o que é necessário para implementá-la de
dentro para fora.
Em última instância é o Amor mesmo, a única coisa que importa
e ele só possível com o advento da Paz interior.
É com estes pensamentos sentidos a povoarem-me o silêncio
interno, que me aparece mesmo ali de caras, este marco:
Está decidido. O Romeu passa a ser o Romero!
Mas de que é que estou para aqui a falar, perguntas tu?
É que o meu carro foi batizado de Romeu na sua viagem de
estreia nas minhas mãos, em que viajei com amigos até à região da Bretanha no
norte de França. E porquê Romeu? Bem, porque em primeiro lugar fiquei apaixonada
por este carro logo da primeira vez que me sentei ao volante e senti como a sua
condução era suave e fluida. Daí a Romeu foi um passo. É que o GPS, que de início
ainda tinha pio, era interpretado por uma mulher – a Julieta, designámos nós na
viagem inaugural.
Mas na verdade Romero faz bem mais sentido! Este carro
vem destinado a levar-me a lugares magníficos. Tem sido um desfilar de viagens
absolutamente maravilhosas desde que veio para a minha mão em abril de 2014. E
nem tem muitos quilómetros, mas os que tem são de muita qualidade.
Foi assim que rebatizámos o carro!... A carvan, digo.
Foi assim que rebatizámos o carro!... A carvan, digo.
Andámos já uns valentes quilómetros e estamos indecisos
entre comer aqui – já passa da uma hora – ou seguir e fazer um lanche daqueles
nossos.
Optamos por ficar e escolhemos um restaurante no centro histórico
com um menu completo a bom preço e que nos parece terá qualidade.
Por mais estranho que possa parecer escolhemos bacalhau, um
bacalhau que acaba por ficar marcado na lista dos melhores que comi até hoje! É fresco, e isso faz toda a diferença. Macio e saboroso como não comia há
muito.
A comparar com as nossas refeições habituais, trata-se de um
farto repasto, saboreado com muito apreço e gratidão.
Mais uma vez, chegámos a meio do dia e já estamos com o
depósito de felicidade bem cheio, mas ainda assim vamos ter que continuar a
enchê-lo. De todo o modo, tudo o que transborda não é desperdiçado. É a dádiva
que deixamos pelas ruas onde passamos… Assinado: Com Amor <3
Salamanca é o nosso próximo destino.
Bem famosa, claro. Mas nunca tinha lá ido.
Aqui até as paredes ecoam sabedoria e ainda que seja uma
urbe onde vemos mais jovens que em qualquer outro lugar onde estivemos, os seus
edifícios são antiquíssimos. Uma pessoa deve sentir-se mais sábia mal entra nas
salas destas faculdades seculares, de certeza.
E há espaço para comédia também ;)
E há espaço para comédia também ;)
Hoje deve ser o dia dos casamentos. Para além de gente
gira e jovem com ar estudantil vemos gente muito aperaltada e de repente saem
os noivos de dentro de uma igreja. Ficamos sentados numa escada a observar e a
descansar. A questão é que quando nos levantamos e seguimos, mais adiante há
outro casamento, e ali outro! Nunca vi tanto casamento na mesma cidade ao mesmo
tempo.
Sente-se o borbulhar feliz dos corações dos noivos e dos
seus familiares, a euforia da celebração de um contrato para muitos anos,
espera-se. E que sejam alegres e amorosos. Ainda há gente que se casa, afinal! 😊
Passamos por entre os convidados, os bagos de arroz e as pétalas
de rosa espalhados pelo chão, até chegarmos à praça central que mais uma vez
nos inunda com a sua grandiosidade.
Uau! Tanto. Tanta beleza. Cada pedra retalhada fala. Apetece
ficar e ouvir as suas histórias tim tim por tim tim.
Mas não. É mais uma vez uma passagem, breve mas plena. Como
a vida que amamos.
Breve até nem é. Desde que vivo graciosa e plenamente a vida
parece-me bem longa. É tudo uma questão de perspetiva.
Com a barriga cheia de arte e saber, saímos de Salamanca e
rumamos em direção a Plasencia e depois Portugal. Não sabemos onde vamos parar
hoje, mas pouco importa.
Apanhamos a A-66 – Ruta de la Plata – e as planícies
imensas, cultivadas e cuidadas, estendem-se a perder de vista, como mantos de
terra fofa. O verão já vai longo e as colheitas já foram, mas nada está ao
abandono.
Admiro a forma organizada como em Espanha se aproveitam os
recursos e se torna o país o mais autossuficiente possível. É verdade que o
tamanho ajuda, mas trata-se também da mentalidade empreendedora que não se fica
pelas ideias e mete mãos à obra.
O entardecer chega depressa e decidimos sair da autoestrada
para procurar um camping numa estrada nacional que indica a vila de Hervás como local histórico. O nosso raciocínio é que se há um lugar turístico tem que
haver um camping, até porque os “nuestros hermanos” são fãs desta prática.
Bem dito e bem feito. Aparece-nos um camping onde paramos e
escolhemos ficar.
É um lugar sossegado com muitas tendas grandes e
permanentes. Vem aqui pelos vistos muita gente passar férias regularmente.
O talhão que nos calha está bem situado, debaixo de uma
árvore para nos fazer sombra de manhã – ainda que saibamos que vamos acordar
cedo, como de costume. Temos água mesmo ao lado da tenda, para lavar um tareco
ou outro, há piscina, café, bons balneários. Estamos em casa por hoje.
À noite bebemos um chá no bar e ficamos por ali a pesquisar
a net e a carregar os telemóveis até sentirmos que são horas de aterrar na cama
mais fofa do mundo, pelo menos para nós, aqui e agora.
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