Translate

terça-feira, 3 de maio de 2022

Deliciosamente Sábio

Deliciosamente Sábio


“Sabes Jason, tenho um talento. O talento de conseguir sempre estragar tudo quando as coisas estão a ir super bem e com muita simplicidade.” Declarou o Fabian. 

Olhei para ele, sorri e perguntei: “Então e como poderias dar a este talento um propósito produtivo?”


“O que é que queres dizer com: um propósito produtivo?”


“É que se se trata de um talento, tem com certeza um propósito produtivo. Todos os talentos têm ambas as facetas: a produtiva e a destrutiva. E cada uma destas facetas é útil, de uma forma ou de outra.”


Fabian ficou a olhar para mim de olhos esbugalhados e depois respirou fundo e começou a ponderar sobre a minha questão. 


Estávamos sentados num banco de jardim, envoltos nas nuances da primavera, com a fragrância do jasmim e das rosas a brincar com o nosso palato e sabia tão bem estar apenas ali sem qualquer objetivo específico. Ali a observar os patos no lago e a ouvir os pássaros a chilrear o seu alegre soneto de boas vindas ao abraço caloroso do céu. Estávamos no nosso próprio mundo. Tínhamos a sensação de estarmos dentro de uma cápsula de quietude que mantinha lá fora a agitação da cidade que se estendia ao redor do nosso espaço privado e os transeuntes também faziam parte deste nosso belo cenário, tal como as folhas trespassadas pelos raios do sol que afagava a nossa pele com aconchego cintilante…


Gostávamos de encontrar-nos aqui e tomar o nosso tempo para fazer o que parecia ser nada, enquanto estimulávamos a nossa imaginação, a nossa consciência e a nossa clareza com fosse o que fosse que visitasse as nossas conversas que nos sabiam ao melhor chocolate quente do mundo, no melhor café jamais criado.  


Não dependíamos destas conversas, mas desfrutávamos delas e cada um de nós era como uma varinha mágica a acordar lagos de sabedoria ainda por descobrir. Lagos esses que se transformavam em águas vivas, catapultadas inevitavelmente na cascata do “aha” para poderem depois descansar na lagoa lá em baixo, onde a serenidade era habitante permanente. 


Éramos amigos há sabe-se lá quanto tempo e as nossas vidas tinham tido as suas curvas e contracurvas, tínhamo-nos mudado para diversos lugares, mas ainda assim, de uma forma ou de outra, sempre encontráramos o tempo e o espaço para testemunhar a evolução de cada um. Ah e como era preciosa! Esta dádiva que oferecíamos um ao outro e a nós mesmos. 


Ás vezes em tom de brincadeira, costumávamos dizer que se nos sentíssemos atraídos um pelo outro poderíamos ser um casal perfeito… Mas esse não era o nosso tipo de amor. O nosso amor, poderia dizer-se que ultrapassava até mesmo o amor íntimo porque não era determinado por nada para além de puro respeito, companheirismo e admiração. Ah e compaixão. Era tão fácil não nos julgarmos mutuamente. Nem sequer nos ocorria fazê-lo. E nesta aceitação podíamos abraçar-nos a nós próprios também, sabendo-nos merecedores. Era um facto não declarado, e no entanto uma afirmação simples. “Eu Sou o que Eu Sou.”


O que mais admirávamos um no outro era ao mesmo tempo um reflexo da nossa própria beleza ímpar e uma expressão da nossa singularidade incomparável e irreplicável. 


Havia algo de incrivelmente sublime neste testemunhar do florescimento de outro ser humano na sua inteireza, e nós tínhamos esse privilégio. O privilégio de podermos testemunhar o milagre de nós próprios um no outro. 


Era tão diferente esta nossa experiência, daquela que o resto do mundo parecia estar a vivenciar. Era como viver numa Terra completamente nova, sem sair deste mesmo planeta, coexistindo com tudo sem termos que pertencer a nada. 


O silêncio era o nosso melhor amigo. Era-nos tão querido! Nunca tínhamos sentido aquela necessidade de estar em constante conversa e estarmos na Presença um do outro falava por si só. Por isso não fazia qualquer diferença que o Fabian respondesse ou não à minha pergunta. Ela não carecia de nada em troca. Quase que poderia ter sido uma pergunta retórica.


Mas o Fabian acabou por responder. “Estou a dar-me conta que o meu talento não é realmente estragar tudo, mas sim estar consciente disso e poder escolher. Não tenho escolhido permitir a suavidade porque tenho sentido que arruinar as coisas era demasiado excitante para recusar. Tornei-me viciado em procurar formas de consertar tudo depois de deitar tudo abaixo e é aí que reside o resto do meu talento. Sou um Mestre Solucionador de Problemas mas como a minha vida não é muito problemática, encontro formas de criar obstáculos apenas pelo gozo de os transpor!!! E o mais engraçado é que também adoro a suavidade e movo-me continuamente rumo a ela, desemaranhando os meus estragos e deixando tudo suave só para depois criar mais estragos e por aí fora. Sou tão mas tão excelente neste jogo!!!! Tenho que rir-me de mim mesmo! Isto é hilariante…”


E desatámos os dois às gargalhadas até ficarmos com lágrimas a escorrer-nos pela face e de cada vez que olhávamos um para o outro riamo-nos ainda mais. Oh meu Deus! Adorava estes nossos momentos, quando tudo ficava tão absolutamente claro que apenas o humor restava para nos encher o copo. 


Depois de bastante tempo a rirmo-nos como dois lunáticos, agarrados às nossas barrigas e quase sem fôlego, deixámo-nos cair para trás, mirando a copa da árvore que coroava o nosso banco de jardim, relaxando completamente no nada, conforme as complexas peculiaridades do comportamento humano se afogavam em nós e se dissipavam num “hmmmm, talvez esteja na hora de parar de fazer isto e experimentar algo novo, para variar.” E o desassossego inicial do Fabian apurou-se até formar um molho muito saboroso que podia agora servi-lo de novas e deliciosas formas.


O caldo do seu brilho e o seu sabor aromatizado eram um chamariz para que muitos outros se sentissem atraídos pelo irradiar de consciência que deixava no seu encalço, acendendo um rastilho subtil no coração daqueles que apanhassem esta ressonância, conforme ela se espalhava como um banquete de proporções insondáveis, um festim alegre de infinitas possibilidades. E eu tinha a bênção de estar sentado aqui mesmo, recebendo o impacto do primeiro rasgo de sabedoria inspirada, nadando nela como um golfinho feliz, despreocupado e vivo, testemunha permanente da grandeza no oceano de nós mesmos. 



Texto de T. C. Aeelah
Foto de:  时间 往后 



Deliciously wise

Deliciously wise


Fabian said to me: “You know Jason, I’ve got a talent. A talent to always mess up whenever things are going well and smoothly.”

I looked at him, smiled and asked: “How could you put this talent to a more productive use then?”


“What do you mean: a more productive use?”


“Well being a talent, it surely has a productive use. All talents have both sides: the productive and the destructive one. And each of these sides are useful, one way or another.”


Fabian stared at me, took a deep breath and started pondering on my question.


We were sitting on a park bench, in the midst of shades of spring, the fragrance of jasmine and roses playing with our taste buds and it felt so good to just be there with no particular aim, watching the ducks in the pond and listening to the birds chirping away in their happy welcome to the sky’s balmy embrace. We were in our own world. It felt as if we were enveloped in a transparent capsule of quietness that kept the commotion of the city out of our private space and passers-by were as beautifully part of our scenario, as were the the leaves pierced by sunrays that tickled our skin with sparkles of warmth… 


We liked to meet here and take time to do what seemed to be nothing, whilst stimulating our imagination, our awareness and our clarity with whatever came up in our conversations that were to us like the best hot chocolate in the world, at the best café ever created. 


We didn’t depend on these conversations, but enjoyed them and each one of us was like a divining rod poking at undiscovered pools of wisdom which stirred up into huge roaring rivers until they cascaded down the waterfall of “aha” and rested in the lake down below, where serenity was a permanent dweller. 


We had been friends for God knows how long, our lives had taken twists and turns and we had moved to different places, but somehow, we had always found the time and space to witness each other’s evolution. Oh and it was so precious! This gift we offered each other and ourselves.


We used to joke sometimes that if we had been into each other, we could have been the perfect couple… But that was not our kind of love. Our love, one could say, surpassed even that of intimacy because it was not determined by anything other than pure respect, companionship and admiration. Ah and compassion. It was so easy for us not to judge each other. It was not even a thing to consider. And in this acceptance we could embrace our own selves as well, knowing we were worthy. It was an undeclared fact. A simple statement. “I Am, that. I Am”.


What we admired about each other was as much a reflexion of our own exquisite beauty as it was an expression of each one’s incomparable, irreplicable uniqueness.


There was something about witnessing another human being bloom into wholeness that could only be defined as sublime, and we had this privilege. The privilege of witnessing the miracle of ourselves in each other.


This was so very different than what we saw the rest of the world experiencing. Like living in a whole New Earth, without leaving this very same planet, somehow coexisting with everything without having to belong to anything.


Silence was our best friend. We cherished it so much. We never felt a need to be in constant conversation and sitting in each other’s Presence spoke volumes in itself. So it made no difference whether Fabian would eventually answer my question or not. It required nothing in exchange. It could have almost been a rhetoric question.


But Fabian did reply. “I am realising that the talent is not really the messing things up, but rather being aware of it and being able to choose. I have not been choosing to allow the smoothness because I have felt the messing up is too exciting to pass up on. And in this I have become addicted to finding ways to fix things after messing them up and that’s where the rest of my talent lies. I am a Master problem solver but because my life is not that problematic, I find ways of creating issues just for the fun of resolving them!!! And the funny thing is, I also enjoy the smoothness and keep on roaming towards it, unravelling my messiness into smoothness only to create some more messiness and so on and so on. I am so f****** excellent at this!!!!! I have to laugh at myself! This is hilarious…”


And we both broke down into huge belly laughs, to the point where tears were rolling down our cheeks and each time we looked at each other we laughed even more. Oh God! I loved these moments of ours, when everything just became so crystal clear that humour was the only thing left to top up the cup.


After a long while laughing like two lunatics, holding onto our bellies and gasping for air we just leaned back and looked up into the canopy of the tree above our bench, completely relaxing into nothingness as the intricate peculiarities of human behaviour sunk in and dissipated into “hmmm, maybe I will stop doing this and try something else for a change”. And alas, Fabian’s initial predicament simmered down into a very tasty sauce that could now serve him in new delicious ways.


This was the very sauce of his radiance and its fragrant taste was sure to attract many others to the sparkle of consciousness it left in its wake, invisibly igniting something ever so subtle in the hearts that caught the vibe, as it spread like a banquet of infinite proportions, feasting on the joy of infinite possibilities. And I was blessed to be sitting right here, getting the primary blast of inspired awareness and swimming in it like a happy dolphin, carefree and alive, witnessing grandness in the ocean of ourselves. 



Text by: T. C. Aeelah
Photo by: I do Nothing But Love