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sábado, 20 de janeiro de 2018

O Poder da Escolha Consciente - Eco Trip / Take 18

Dia 17 – 29 de Agosto

Gratos por Tudo


Acordamos cedo com o chilrear dos passarinhos, aconchegados no silêncio doce das árvores, com a força telúrica da terra onde estamos deitados a encher-nos os depósitos de felicidade, mais confortáveis nos nossos colchões de esponja que se estivéssemos numa cama numa estalagem da vila.

Esteve a chover de noite, por isso decidimos deixar a tenda a secar debaixo do sol ténue que espreguiça os seus raios por entre os ramos das árvores e nos aquece levemente com o seu Bom Dia.

Este cenário define a minha escolha do dia: absorvo a graciosidade da existência com cada respiração, conforme vivo em total rendição à minha Essência.

Saint-Jean-Pied-de-Port é uma histórica vila de passagem de peregrinos, bem referenciada no caminho de Santiago. É por isso que há lojas com haveres necessários para uma demanda tão longa – boas e robustas botas para caminheiros, capas para a chuva, cantis, mochilas, bengalas de suporte para tornar o trajeto mais ligeiro… enfim, tudo o que alguém que quer caminhar cerca de 800 quilómetros, se este for o ponto de partida, pode necessitar. 


Este é, de facto, o ponto mais popular para quem inicia a senda a partir de França. Esta é também tida como a última paragem antes da árdua passagem pelas montanhas dos Pirinéus e faz parte do acervo da UNESCO enquanto Património da Humanidade.

A vila é pequena mas muito bem conservada. Tem o encanto de uma maquete toda arrumadinha, sem mácula que se aponte.



Estas vilas típicas fazem-me sempre lembrar as casas de bonecas que me faziam acercar das montras das lojas e adorar visitar museus dos brinquedos quando era miúda.



Ao passearmos pelas ruas damos com um painel que explica a história por detrás da romaria a Santiago de Compostela.



Reza a história que Tiago o Grande foi um dos primeiros apóstolos de Jesus e pereceu em Jerusalém no ano 44 DC. Diz-se que foi decapitado pelo rei Herodes Agripa que se opunha à nova religião. Diz a lenda que dois discípulos trouxeram o seu corpo de volta para a Galiza de barco e que o seu túmulo foi descoberto por um ermita que foi conduzindo a esse lugar por uma estrela no século 9. Nesse tempo era comum a adoração a relíquias e o lugar depressa se tornou num grande centro de peregrinação, comparável com Jerusalém e Roma. Campus Stellae ou “Campo das Estrelas” depressa se tornou Santiago de Compostela e a igreja católica implementou a construção de um templo romanesco que viria a ser uma das mais imponentes catedrais góticas da Europa.

Ora, perdoem-me os crentes, mas criar a partir de uma lenda tamanha azáfama, em que se fazem promessas a um Santo cujas raízes são pouco claras e se espera que ao cabo de um sacrifício de centenas de quilómetros árduos o desejo pedido seja “concedido” não faz qualquer sentido. Primeiro porque não são os Santos, Anjos e nem mesmo o que se crê ser Deus que vêm salvar-nos das nossas amarguras, pois elas fazem parte do trilho humano na Terra e são precisamente o que nos permite ter o potencial para despertar do nosso sono ignorante de que somos impotentes perante as circunstâncias da vida.

É certo que muitas vezes as circunstâncias estão para além do nosso controlo e que não as podemos mudar, mas podemos mudar a forma como olhamos para elas e o que aprendemos com elas, e mais importante que tudo, podemos escolher o que queremos mesmo nas nossas vidas daí para a frente. O grande senão é que não podemos escolher por mais ninguém – o livre arbítrio assiste a todos e a nenhum de nós cabe a opção de usar o livre arbítrio do outro como nosso. Sendo assim, grande parte das promessas que se fazem e que implicam a “salvação” de outros (filhos, maridos e mulheres, tios, primos… etc) colidem em si mesmas com o livre arbítrio de cada um e por mais bem intencionadas que sejam, não deixam de ser um desrespeito pelo poder de escolha alheio.

Em segundo lugar, não é o nosso sacrifício que vai fazer com que Santos, Anjos ou Deus tenham pena de nós e nos concedam o “pedido”. Que Ser Pura e Plenamente Amoroso requereria o sofrimento de qualquer ser senciente para obter provas da sua beatitude e assim conceder-lhe algo? Isso seria chantagem, nua e crua - "se fizeres isto, dou-te aquilo". É um conceito estritamente humano e não pertence à consciência expandida onde não há requisitos desta natureza manipuladora. 

Ainda assim, para quem faz O Caminho como uma demanda espiritual, uma descoberta de si mesmo ao longo de cada passo, enfrentando os seus próprios fantasmas, incluindo a solidão, o medo do desconhecido e o desafio de ultrapassar adversidades e confiar que tudo é possível e que se chegará à meta desde que entregue ao coração – a Deus em nós – então será com toda a certeza uma experiência muito enriquecedora e iluminada em que ninguém retorna igual ao que foi.

Mas se é este um dos grandes propósitos, então há muitas formas de o fazer, sendo O Caminho de Santiago apenas um dos muitos caminhos, este já bem batido e até mapeado para facilitar a demanda.

Ora até esta nossa viagem é uma peregrinação dessa natureza, em que viajamos entregues à nossa Essência e descobrimos momento a momento como é viver em confiança total, sem planos definidos mas sempre entregues ao coração, em respeito pela energia que nos serve, poupando recursos de formas criativas e inexploradas, aliando o sentir ao pensar e experienciando na prática a liberdade de Ser uma respiração de cada vez.

Sinto-me feliz por poder permitir-me esta liberdade e saber que tudo está bem com toda a criação e que cada um virá ao encontro do que procura, independentemente da forma que escolha para o fazer.

Ao fim e ao cabo Deus reside e sempre residiu em cada um de nós e o Lar que tanto buscamos lá fora está e sempre esteve, dentro de nós, no nosso cerne incorruptível e imaculado.



Depois de um agradável passeio pela vila, voltamos para o camping para tomar o pequeno almoço, desmontar a tenda e seguir para Espanha.

As autocaravanas já se foram quase todas embora e a nossa é a única tenda ali. O senhor, dono do terreno, cumprimenta-nos e agradecemos-lhe a estada neste lugar de paz.

À saída de Saint-Jean-Pied-de-Port o Pedro decide ir comprar um queijo de ovelha diretamente do produtor e batemos à porta de uma casa particular onde nos atende uma senhora que nos mostra orgulhosamente as fotografias do armazém onde o filho faz estes deliciosos queijos.

A senhora corta um bom pedaço de um queijo enorme que deve ter uns 10 quilos e saímos sorridentes com a compra campestre, sabendo que parte será comido no caminho, ainda antes de poder ser oferecido à família aquando da chegada já não muito distante.

Um pouco mais à frente entramos na aldeia de Espelette. É dia de mercado e mesmo à beira da estrada há uma casa com um grande título cá fora: Chocolaterie Antton. Hum! Acho que temos que parar…


Ao entrarmos vemos um grande grupo de turistas que pelos vistos veio aqui numa visita guiada, pelo que este lugar parece ser um ponto de paragem obrigatória, tal como sentimos.

É uma fábrica artesanal de chocolate e esta é afinal de contas um importante região de produção de pimenta de uma variedade que foi batizada com o nome da localidade: Espelette.

O cheiro intenso a chocolate entra-nos pelas narinas adentro, produzindo uma espécie de delírio prazeroso. Afinal nem é preciso comê-lo para ter efeito nas hormonas do bem-estar!

Decidimos comprar um frasco de pasta de chocolate com avelãs que tem um sabor absolutamente divinal e uma barra de chocolate com pimenta de Espelette que também provámos na loja e aprovámos.

Esta barra de chocolate passa a ser a nossa sobremesa, um quadradinho de cada vez, bem degustado e recebido pelo nosso palato com uma sinfonia de requintado prazer.

Estamos mesmo mesmo à beirinha de Espanha e fazemos uma última paragem em França, em Saint Jean de Luz que nos foi recomendado visitar, antes de passar a fronteira invisível que separa os 2 países a que pertence a mesma região do País Basco. Ou seja, a região é a mesma, mas estende-se ao longo de dois países.

Esta coisa das fronteiras sempre me intrigou e por outro lado não deixa de ser um apontamento cómico sobre como tentamos definir limites no que é em si mesmo ilimitável. Mas a bem da boa governança entende-se que o estabelecimento destas orlas imaginárias que separam uma área política de outra possam facilitar o governo das massas de gente que habitam cada território.

Em Saint Jean de Luz paramos só à beira mar antes de seguir adiante. 

A cidade costeira de San Sebastian é a primeira paragem em Espanha. Chove a cântaros e daí para a frente o tempo começa a piorar de tal maneira que há momentos em que não se consegue ver mais que uns 2 ou 3 metros à frente. 





Com a chuva intensa a dificultar a visibilidade e o dia escuro decidimos procurar um lugar para pernoitar, desta vez num hotel ou alojamento local. Seguimos umas placas que indicam esta última opção e chegamos a uma quinta com várias casas, todas em pedra, muito bonitas e bem arranjadas. 



Batemos a uma porta. Ninguém atende. Depois a outra e aparece uma jovem para a nossa idade que nos indica que a sua mãe está na casa onde batemos primeiro. Voltamos lá e uma senhora muito simpática mostra-nos o quarto que custa 45€ e tem casa de banho privativa. Não tem multibanco pelo que vamos ter que ir à vila mais próxima levantar dinheiro.

Hoje o dia de viagem terminou cedo e sabe bem poder ficar na cama a ler e ouvir a chuva a cair lá fora.


Deitamo-nos cedo, gratos por tudo. 

2 comentários:

  1. isto me acordou: "absorvo a graciosidade da existência com cada respiração, conforme vivo em total rendição à minha Essência."
    obrigado pela dica

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    1. Muito obrigada pelo seu feedback e grata também por poder viver esta graciosidade e partilhá-la. Um forte abraço Alegre

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