Lembro-me bem da minha adolescência. Uma época de extremos
emocionais, com picos e vales intensos, controvérsia, lutando para fazer parte
e ao mesmo tempo para não ser igual, constantemente questionando as estruturas,
as instituições e as obrigações sociais, observando perplexa a cadeia de
injustiças ao redor do mundo mas ao mesmo tempo sentindo-me impotente perante
tamanhas disparidades. Lembro-me das minhas amizades, algumas das quais ainda
perduram hoje e outras, como as ondas do mar rolando para o infinito oceano.
Lembro-me do meu entusiasmo pela vida, da minha vontade de transformar o mundo
e dos meus momentos de depressão profunda por saber que de certa forma isso era
impossível a curto termo. Lembro-me de questionar o propósito da vida e de não saber
as respostas. Lembro-me de ficar confusa com a separação entre o mundo dos
adultos e o dos jovens, como se de certa forma vivêssemos em mundos à parte
ainda que no mesmo. Lembro-me de querer ser aceite e de como me incomodava o
facto de não me sentir “normal”, ainda assim.
Hoje lido com muitos jovens quer no trabalho, quer em casa,
com a minha própria filha e com os seus amigos e amigos de amigos, filhos de
amigos – muitos jovens. Alguns são jovens, diria, vulgares, vivendo uma vida
“normal”, encaixando sem muito esforço, sem grandes interesses para além das
banais preocupações capitalistas do mundo moderno. Outros, no entanto, vivem
aqueles mesmos dilemas que enfrentei, despertos para o facto de que há mais
para além do óbvio, mais que não se vê. E estes debatem-se com a mesma equação
do querer de certa forma fazer parte e ao mesmo tempo de se sentirem
inconformados com isso. Este texto é para esses jovens.
Em boa verdade vim a perceber que somos mesmo todos
diferentes, por mais que tentemos formatar-nos para parecermos “iguais” a
qualquer grupo com o qual nos identifiquemos. Sei que na adolescência, não
pertencer a nenhum grupo específico é de certa forma estranho, mas por outro
lado é libertador. Não havendo a pressão de ser como o grupo, surge no entanto
a pressão de parecer estranho por estar só. Sendo assim, e já que somos “presos
por ter cão e por não ter”, mais vale mesmo confiarmos que mais tarde ou mais
cedo vamos ter confiança suficiente para descobrirmos quem somos afinal e
sermos coerentes com isso. Até lá trata-se de irmos “brincado” com as diversas
experiências, em interação distinta com uns e com outros e percebermos como
isso nos afeta, inibe ou expande. É que na adolescência, ainda que nos sintamos
diferentes, ainda não sabemos muito bem porquê nem o que somos e o que
realmente queremos. É uma fase de teste, de experimentação, de descoberta,
fortemente evolutiva, impactante e que pode ser vivida com a tranquilidade
revolucionária de sabermos que tudo faz parte do nosso crescimento.
Aliás, é um privilégio podermos ser adolescentes. É que a
adolescência é uma modernidade algo recente. Há algumas décadas atrás não
existia. Era-se criança, depois jovem, jovem adulto, adulto e depois idoso. E
enquanto jovem assumiam-se responsabilidades. Não havia tempo/espaço para
descobrir. Era necessário produzir cedo. Há não muitos séculos atrás, aliás, as
moças com 13 anos já eram casadas e tinham prole, os rapazes eram pais de
família e provedores, havia reis com esta idade.
Sendo assim, meus jovens amigos adolescentes, sempre que vos
assolar o peso depressivo de se sentirem incompreendidos pelos outros e de não
compreenderem o mundo dos adultos, lembrem-se que têm o privilégio de poderem
ser adolescentes. Questionem-se, descubram-se, tentem ser menos críticos em
relação a vós mesmos e aos outros e mais proativos, aceitando as diferenças e
convivendo com elas. Desenvolver pensamento crítico é essencial, sim, mas não
para criar separação e incompreensão. Serve para nos conhecermos melhor, para
podermos escolher o que queremos e para explorarmos a nossa criatividade,
usando-a de forma produtiva para nos guiar na descoberta do que somos capazes
de realizar, do que amamos e do que não suportamos, do que nos apaixona e do
que nos entristece. Entregarem-se temporariamente à frustração pode ser um
motor produtivo para ganhar força para mudar de rumo ou de atitude, mas que não
se torne um fardo demasiado pesado que vos impede de querer viver.
E lembrem-se, nós, os adultos, também já fomos adolescentes,
e ainda que haja muitos que não vos conseguem compreender porque vivem no seu
reino de adultos atarefados com as complexidades das suas vidas, outros há que vos vêem como são e com quem podem
partilhar as vossas dúvidas existenciais e eventualmente descobrir novos pontos
de vista :)
Com Amor