🌫️ O Sonho
Não havia casas.
Não havia pessoas.
Não havia nada — senão uma extensa plataforma de relva, suspensa numa nuvem espumosa e macia.
Sobre essa plataforma, corria uma criança.
Os seus cabelos louros e cintilantes esvoaçavam com a brisa.
Dos olhos verde-esmeralda emanavam raios de vida, de luz, de inteligência.
As faces, do mais puro rosado, uniam-se a lábios de contorno perfeito — simples e sorridentes.
Essa criança transbordava alegria.
O seu corpinho frágil era quase angélico.
À sua volta, não havia o mais pequeno indício de tristeza, pobreza ou miséria.
Mas eis que ela cai.
Cai da plataforma como uma leve pena,
Com o rosto contorcido de terror.
Cai, cai… até aterrar numa nova plataforma,
Que em nada se assemelha à anterior.
Agora há casas.
Há pessoas.
Há ruas e ruelas onde o sol nunca penetra.
Em todos os cantos espreitam sombras assustadoras —
Possíveis fantasmas dos primeiros habitantes daquele lugar sombrio.
Ninguém ri. Ninguém fala.
A criança chora. Mas ninguém a vê.
Desesperada, grita.
Agarra-se aos que passam.
Mas ninguém a vê.
Então corre, em busca de outra queda.
Perde-se nas ruelas que se bifurcam sem fim.
Cercam-na. Sussurram.
Ri-se delas uma histeria invisível.
As ruelas prendem-na com garras húmidas e escorregadias…
E a criança cai de novo.
Desta vez, não há mais plataformas.
Só um céu imenso, de um azul profundo e penetrante.
A criança caminha no céu — no vazio do céu —
Sem saber o que encontrará ao dobrar a esquina formada por uma nuvem gigante.
Aos poucos, afasta-se.
Afasta-se…
E desaparece no vazio.
As luzes apagam-se.
O espetáculo acabou.
Era um sonho.
Pura e simplesmente, um sonho.
1985 / Melissa O'Neill (O meu pseudónimo até 2012)

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