Dia 12 - 24 de Agosto
Tanto para Apreciar...
Apesar do sino da igreja passámos uma noite descansada e de
manhã encontramos o Luigi na cozinha a preparar o nosso pequeno-almoço com
muito carinho. Ontem à noite antes de se deitar deixou preparado o leite de
amêndoa, e agora vamos degustá-lo, junto com uma pasta de amêndoa feita por ele
e simplesmente deliciosa. Torradas, manteiga indiana ghee, melão, mel, chá - um
super repasto matinal.
A minha escolha para hoje é viver em plena Compaixão,
saboreando a Serenidade de Ser em todos os instantes do meu dia e é com esta
escolha que começa a nossa visita pelos caminhos históricos do Norte de Itália.
O Luigi leva-nos a uma aldeia próxima de Cremezzano chamada
Sandino onde nos deparamos com um castelo de tijolo saído dos contos de fadas, com um
fosso à volta onde poderiam estar crocodilos de boca aberta e que tem uma
daquelas pontes levadiças por onde decerto muitos cavaleiros terão passado em
tempos idos.
A nossa principal visita do dia é no entanto a Milão que me repousa na
memória como um lugar onde detestava ir em criança. Quando viva em Gorgonzola,
com os meus 6/7 anos, sempre que a minha mãe me dizia que íamos a Milão ficava
chateada. Era um lugar escuro e poluído com demasiado movimento e barulho e que
eu não conseguia compreender.
Agora, reconheço como aos meus olhos de criança a
monumentalidade gigantesca de Milão poderia parecer-me assustadora, de facto,
pois é uma cidade grandiosa que aos olhos de um adulto é magnífica e portentosa
mas que uma criança criada no campo e em cidades pequenas não consegue abarcar
no seu mundo. Por outro lado tive vivências passadas, memórias de outras vidas
não muito agradáveis aqui.
O meu desafio presente é precisamente manter um olhar
Compassivo, sem as sombras do passado e inteiramente disponível para a serena
novidade do agora.
E assim é. Milão mostra-se bonita, imensa, ainda poluída mas
estranhamente calma nesta 5ª feira quarta-feira de agosto, com trânsito tímido
e calor intenso.
Encontramos um lugar a cerca de 2km do centro mas não há
parquímetros. Percebemos que é um lugar onde se estaciona com dístico
residencial e que provavelmente o pagamento é feito em alguma repartição
pública. Sentimo-nos confiantes e arriscamos deixar o carro aqui mesmo. Vai
tudo correr bem.
Caminhamos, caminhamos, caminhamos pelas ruas que
normalmente não se visitam. É a vantagem de estacionarmos fora dos centros
históricos.
Quando chegamos ao largo central, ao grandioso Duomo, o
movimento de carros e pessoas intensifica-se. Ainda ponderamos se entramos ou
não. O Luigi quer oferecer-nos o bilhete mas acabamos por decidir não entrar
porque por um lado a fila é grande e por outro o monumento também, o que nos
requereria umas boas horas que escolhemos usar de outra forma.
Passeamos pelas Galerias Vittorio Emanuele, graciosas no seu
esplendor dourado. Vemos turista após turista a colocar o seu calcanhar no
testículo do touro e a rodar uma volta inteira – é suposto ser uma prática de
boa sorte! E há tanta gente a acreditar nisso ou apenas a seguir o exemplo por
curiosidade que há um buraco no chão de tanto pé a rodar todos os minutos de
cada dia! Ficamos ali um pouco a ver o “desfile” e a deliciarmo-nos com a
sedução impulsiva do ser humano em seguir os mesmos passos já antes trilhados.
Depois seguimos pelas ruas de Milão até ao Castelo Sforzesco
que nos brinda com um belo jardim onde podemos descansar um pouco que a
caminhada já vai longa. Quando chegamos ao jardim temos o privilégio de ouvir
um guitarrista que por ali decidiu parar para vender os seus CDs e alegrar as
árvores.
Hum… árvores de sombra frondosa e fresca, com cadeiras
espalhadas pelo relvado, mesmo a jeito para uma boa conversa sobre amor e
relacionamentos – um dos meus temas prediletos.
Quando um relacionamento termina há sempre a tendência para
se dizer que não funcionou ou que algo correu mal o que, tendo em conta que a
mudança é a certeza maior que existe na vida, é no meu entender um preconceito
limitante.
Todos os relacionamentos servem um propósito na vida de quem os tem
e todos os seres humanos evoluem ao seu próprio ritmo, pelo que em
relacionamentos muito longos é muito natural que duas pessoas evoluam em
sentidos distintos e criem interesses distintos. Se esses caminhos distintos
forem conciliáveis, os relacionamentos podem perdurar e ambas as pessoas podem coexistir.
Se forem inconciliáveis a vida convida-nos a largar a nossa zona de conforto no
relacionamento e a seguir um novo trilho – há alguma coisa de errado nisto? A
meu ver não. Nada corre mal, apenas muda e tudo contribui para sermos quem
somos em cada momento.
Porque é que se considera que apenas os relacionamentos que
duram eventualmente toda a vida é que correm bem? Muitos desses relacionamentos
estão longe de ser um exemplo de amor e harmonia e são na maioria das vezes
apenas uma farsa confortável e aceitável socialmente. Por outro lado, os
relacionamentos que duram uma vida em harmonia são a exceção e não a regra pelo
que nem uma coisa nem outra é o que está certo ou o que está errado, são apenas
formas diversas de trilhar o amor nesta vida.
Permitamo-nos a liberdade de descobrir o amor para além da
forma – ou seja, sempre que estejamos numa encruzilhada entre ficar num
relacionamento íntimo com alguém ou apartarmo-nos dessa forma de relacionar,
saibamos que o amor entre nós persiste se soubermos manter o respeito mútuo e
aceitar que a amizade é também um forma de amor puro e pleno. Saibamos aceitar
o outro e aceitar-nos a nós mesmos em cada fase evolutiva e façamos escolhas
claras e conscientes mantendo sempre firme o nosso propósito maior que é sempre
e invariavelmente: SER.
O giro é que toda esta conversa surja numa altura em que
estou a finalizar o meu livro SER!... Amor que quero ver publicado até final de
setembro em inglês e português, finalmente após 5 anos de incubação.
Bem vamos mas é seguir que a conversa já vai longa e a hora
do almoço declara-se nos nossos estômagos como um despertador que brinca com a
nossa imaginação gastronómica.
Decidimos procurar um restaurante para comer uma boa pizza
italiana, mas longe do centro para ser mais barato e sossegado. Eis que tenho a felicidade de poder recordar uma das
coisas que mais amava na Itália: a pizza margherita! A mais simples de todas e desta
vez com folhas de manjericão. Não podia passar por Itália sem revisitar esta experiência
simples mas significativa nos recantos das minhas memórias de infância.
Quando chegamos ao carro está tudo bem. Claro. O Luigi ainda
ía com alguma dúvida mas nós já vamos com uns bons dias de experiências de
confiança na voz segura do nosso coração ao longo do caminho pelo que sabemos
que quando sentimos que tudo está bem assim é.
Depois de Milão ainda vamos até Cremona onde existe a Torre
em tijolo mais alta da Europa. Mais um lindo monumento – uma igreja – que temos
oportunidade de ver por dentro e por fora. É uma cidade artística e histórica
quase como Tomar mas em ponto grande J
Abrimos espaço para outro momento degustativo com o gelado do fim da tarde, uma
especialidade italiana também a não perder e neste caso de fabrico artesanal e
com sabores bem diferentes do habitual.
Encontramos mais uma vez uma bela árvore de raízes gigantes
debaixo da qual apetece ficar mas que afinal está pejada de mosquitos! Aqueles
de que te falei já e que são uma verdadeira praga nesta zona da Itália. Procuro
um banco de jardim longe dos mosquitos e ali fico quieta e feliz enquanto o
Pedro e o Luigi conversam debaixo da árvore, sem se sentirem incomodados pelos
mosquitos.
No caminho para casa (Cremezzano) ainda passamos em Pardenelle
sob o laranja do pôr-do-sol para ver por fora o último castelo do dia – de tijolo,
como é apanágio dos monumentos desta zona.
Foi um dia intenso e cheio, bonito e sábio pelo que nos
sentimos imensamente gratos e prontos para uma boa noite de descanso.
O Luigi convidou-nos para uma festa com uns amigos amanhã
mas decidimos seguir caminho rumo ao Lago de Como para podermos ir com mais
calma e parar noutros lugares.
Como se não bastasse tudo o que já recebemos hoje, o Luigi
ainda nos dá umas abóboras bio diretamente da sua horta para podermos comer em
Portugal e lembrarmo-nos destes momentos bem passados.
Obrigada Luigi.
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