Dia 10 - 22 de Agosto
Abundância de todas as formas e sabores
Acordamos cedo como queríamos. O movimento da cidade já
começa a despertar, mas ainda com a calma do início do dia a aligeirar-lhe os
passos, saudosa do silêncio noturno.
Aqui limpam as ruas por dias da semana, ou seja, cada rua
tem uma placa a dizer quando vai passar o carro lava estradas, avisando os
condutores que não devem deixar a sua viatura nessa rua das x ás x horas de
quartas por exemplo. Ouvimos passar o carro das limpezas e sabemos que é bom
momento para nos prepararmos para sair.
Hoje escolho a Confiança e Entrega total à minha Essência para
desfrutar desta cidade majestosa com tanta história, arte e beleza a sussurrar
em cada rua.
O sol da manhã empresta a sua luz alaranjada ás fachadas dos
monumentos, dando-lhes uma aura ainda mais especial.
O Duomo é realmente
magnífico. Questionamo-nos se não terá sido inspirado no Taj Mahal, pelo
trabalhado em mármore que cobre as suas paredes.
Cidade após cidade vamo-nos
deparando com estas catedrais imensas e é ao mesmo tempo fascinante e
assustador que uma religião, a católica, tenha conseguido trespassar todos
estes países da Europa por onde estamos a viajar, de forma tão forte e
ostentosa. Uma religião que por um lado teve (e tem) missões um pouco por todo
o mundo, implementando campanhas para cuidar dos mais necessitados,
aproveitando para lhes impor uma nova fé, e que por outro criou monumentos de
luxo extremo, com custos exorbitantes que poderiam ter sido distribuídos eventualmente
de forma mais unânime.
Seja como for compreendemos a filosofia por detrás
disto: a de que a "Casa de Deus" tem que ser abundante em sua honra, ainda que um
Deus magnânimo não possa ser seduzido por coisas materiais.
Por falar em coisas materiais, outra coisa incrível de que
nos damos conta ao longo desta viagem é da imensa força sedutora do consumismo.
É como se as montras das lojas tivessem "pega monstros" invisíveis que se colam
ás pessoas puxando-as para dentro desses espaços para comprarem, comprarem,
comprarem, tirando-lhes a capacidade de discernimento sobre o que é realmente
necessário e levando-as a adquirir um sem fim de coisas, mais ou menos úteis
mas eventualmente não essenciais.
A sociedade de consumo é uma máquina tão bem
engendrada que para nos mantermos a salvo da sua manipulação temos mesmo que
chamar-nos constantemente ao nosso Centro, à nossa Presença, discernindo
momento a momento o que é necessário, para nós (cada um decide por si), e o que
é supérfluo. E com isto tudo questionamo-nos quantas dezenas, até centenas de
anos levará a mudar este padrão instituído, extremamente poluente que a Terra
já mostra sinais muito visíveis de não poder sustentar mais. Tratar-se-á de uma
gigantesca revolução no tecido social, económico e político, sem dúvida –
revolução essa que já está em marcha por detrás das cortinas da sedução do
império económico baseado no consumo desmedido. Surgirão, como estão a surgir,
novas formas de subsistência, novas formas de troca e até novas moedas livres,
novas comunidades de partilha de saberes e produtos, novos valores… Enfim, um
mundo gradualmente novo… mas antes não creio que esta imensa máquina hipnótica
instituída dê tréguas sem alguma luta pelo meio.
Isto tudo para dizer que por todo o lado onde passamos há
lojas e mais lojas com toda a espécie de coisas, umas lindas outras nem tanto e
nós, na nossa Eco Trip, apreciamos as montras como se fossem também elas
galerias de arte que nos enchem o olhar sempre com admiração pelo engenho
criativo dos nossos companheiros humanos. Transbordamos de gratidão por
podermos apenas apreciar sem nos sentirmos impelidos a possuir, deixando cada
criação livre no seu esplendor, como os pássaros no céu azul.
E se há criatividade aqui!!!!! Florença é fabulosa! Do
início ao fim e do fim ao início. Não há rua por onde passemos que não tenha
algo especial para nos encantar, seja contemporâneo ou secular.
E eis que
paramos à montra de uma pastelaria para mirar com deleite os bolos únicos que
lá se encontram. O pasteleiro criou um bolo especial chamado “Ode to Women nr
10” – com texto próprio e tudo. Este vale as calorias de certeza! Antes de
comprar um bolo, que é em si vazio de nutrientes, pergunto-me sempre se o
prazer que vai dar comê-lo compensa as calorias ocas. E se for delicioso, compensa
com certeza, porque deixa de ser apenas um bolo e passa a ser uma obra de arte
comestível, para agradecer e apreciar uma pequena dentada de cada vez. Assim
também nutre. As calorias transformam-se num bálsamo de gratidão que invade o
corpo com Amor da cabeça aos pés.
Depois de uma grande volta a pé por Florença, deliciados por
dentro e por fora, voltamos ao quarto para tomar um bom banho e fazemo-nos ao
caminho. O nosso objetivo é chegar hoje a Veneza. O nosso querido “Romeu” – é
assim que chamo o meu carro (mais à frente, num outro dia, conto-te porquê) –
está intacto, sem multas e ansioso por nos levar para mais lugares magníficos.
Este carro tem um dom especial desde o primeiro dia que veio para as minhas
mãos. É o dom de me levar a sítios absolutamente maravilhosos! Estou profundamente grata.
E já agora conto-te que a rua onde ficámos hospedados é afinal uma daquelas ruas que todas as cidades grandes têm, onde as grandes marcas como Prada, Gucci, Yves Saint Laurent, Dolce & Gabanna... etc... etc... têm as suas lojas exclusivas com coisas que custam pelo menos 20 vezes mais que em qualquer outra loja, mas que são apreciadas precisamente pela sua exclusividade. Ficámos numa rua de Luxo :) Um contraste cómico com as nossas dormidas na car-van nas estações de serviço em que não nos sentimos menos Abundantes que aqui. A Vida na Terra é uma miríade de contrastes deliciosos.
***
Longo. O caminho é longo e sinuoso. Lento. Demoramos horas
para fazer uns poucos quilómetros. E está calor. Mas passamos por lindos lugares.
Vamos seguindo. Forlí é uma das cidades por onde
passamos. Sem grandes paragens mas dá para ver que é bonita.
Temos que refrescar. As picadas das melgas que nos têm
fustigado aqui na Itália só agora se começam a manifestar. É uma comichão
louca! E o estranho é que as melgas em Portugal já não me fazem comichão, nem
sequer me picam com frequência. Mas estas são ferozes, pequenas e listadas.
Enfim, são medalhas da viagem J
Já estamos fartos de andar de carro. É final da tarde e
decidimos ir à procura de uma praia ainda antes de chegar à lagoa de Veneza.
Passamos pelo rio Pó e escolhemos a praia de Rosalina Mare.
Pagamos 1 euro de parque e dirigimo-nos para a areia. Antes
de lá chegar há uma espécie de bilheteiras que ignoramos. Mas logo percebemos
porque lá estão. É que tal como em Viareggio aqui também há chapéus e
espreguiçadeiras pagas, mas desta vez é como no cinema – têm fila e lugar
numerado e pode-se estar na praia na mesma, mas sem chapéu, a não ser que seja alugado.
Quando chegamos à beira-mar deparamo-nos com uma água castanha e pouco
apelativa pelo que decidimos afinal não ir ao banho.
Seja como for ficámos a conhecer mais um sítio diferente. É
sempre bom ver usos e costumes diversos.
Paramos mais à frente, debaixo de umas árvores, nuns bancos
de jardim com mesa para comer uns pedaços de melancia – Baby Anguria (melancia
bebé em italiano). Têm aqui umas melancias miniatura super gostosas. O que não
é tão gostoso são as melgas! Outra vez!
Já falta pouco para Veneza!!! Nota-se. O trânsito
intensifica-se.
Começamos a ver umas indicações para o ferry e camping. Para
esta noite tínhamos pensado dormir na fantástica “car-van” mas não há grandes
condições para isso por aqui. Por isso, em vez de seguirmos o caminho todo até
Veneza decidimos sair para onde diz Ferry e irmos até lá de barco. Assim ao
menos sempre andamos de barco em Veneza porque de gôndola não vamos andar de
certeza. É um custo que não se justifica na nossa eco-trip.
Chegados ao lugar do Ferry, que se chama Fusina, percebemos
que já é tarde para aproveitarmos a viagem até Veneza e então vamos até ao
camping saber das condições. São 35€ por uma noite mas podemos sair até ás 19h
do dia seguinte. Optamos por dar o dia por terminado que já estamos cansados e
a precisar de refrescar, agora na água límpida do chuveiro, uma vez que o mar
não era apropriado para os nossos corpos habituados ao oceano atlântico.
O camping tem pouca gente, árvores bem grandes, relva e
imenso espaço. Foi uma boa opção. E dá para ver Veneza lá ao fundo, sob a
luz rosada do pôr-do-sol. Uma linda forma de acabar um dia intenso.
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