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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

A Dádiva Perene

Houve, há e continuará a haver uma Alma audaz que dá pelo nome de Aeelah. Enamorada pela extraordinária sensualidade de um lugar no cosmos chamado Terra, ficou seduzida pelas sucessivas explorações deste planeta Mãe. De tal forma por ele se apaixonou que se tornou parte intrínseca desse lugar, ainda que não tenha sido o primeiro planeta a que chamou de lar.

A Terra era, e é, um planeta com características únicas, um lugar que providencia a possibilidade de um Ser se conhecer em reverso através de algo chamado dualidade. Através da criação de uma ilusão de separação, sonhou-se proporcionar à Alma uma faceta Humana que tem a liberdade de experimentar todas as possibilidades em total amnésia da sua real natureza infinita.  Desta feita, aquilo a que se chama comumente de Sombra ou Lado Negro, tem carta branca para sublimar novas fronteiras de expressão, dando assim ao que se chama comumente de Luz, um potencial muito maior de expandir-se em Si Mesmo. 


Isto é realizado através do desacelerar do intangível para que assuma forma sólida, assegurando que tudo - ou quase tudo - possa ser visto, tocado, cheirado, ouvido e saboreado por meio de um veículo designado de corpo físico e sentido por virtude de emoções, sentimentos e sensações, sendo toda esta combinação algo único, apenas experienciável neste planeta magnificamente colorido que dá pelo nome de Terra. 


A ilusão era simples e infalível. Por outras palavras, aqui na Terra, seria e é impossível não nos lembrarmos de quem realmente somos, mais tarde ou mais cedo - pois a nossa natureza intrínseca não pode ser negada ou evitada - apenas coberta temporariamente, ainda que para o Humano possa parecer uma eternidade o que para a Alma é um mero ondular no oceano infindo da experiência. 


Como o Ser já era Tudo o que havia para Ser, por meio desta experiência inversa de si mesmo, poderia expandir a natureza do infinito mais além do que havia sido concebível até então e não havia forma de saber o que seria finalmente conseguido nesta senda nem como, pois foi concedida ao Humano a bênção do Livre Arbítrio, o que significava que não eram impostos limites à sua criação, destruição e expansão de si mesmo e da sua realidade. 


Por eons e eons de tempo Ela viera, uma e outra vez, experienciando toda a sorte de altos e baixos, da Sombra à Luz e para trás e para diante. Chegou a perder a Mente mas também a ser Mestre, a ser mendiga e rei e rainha e tudo o que medeia entre eles. Desde guerreiro a escravo, vencido e conquistadora, a sábia da floresta, feiticeiro, druida e guru, ladrão, assassina, violador e salvadora, líder e liderado, padre, sacerdotisa e quaisquer outras denominações espirituais de que te possas lembrar… Espadas, fogo, sangue, sexo, lágrimas, riso e beatitude - Ela, ou Ele, não importa como se queira classificar este Ser (mas como nesta vida encarnou como uma Ela, tomaremos essa designação por virtude da simplificação) - Ela vivera tudo e por tanto tempo que a memória se desvanecia na antiguidade imemorial. 


Até que chegara a uma encruzilhada - um momento pelo qual Aeelah esperara, mantendo-se diligentemente entretida até que chegasse. Estava perante esse tão esperado momento. Finalmente. E a encruzilhada era a tomada de decisão fundamental: seria esta a sua última vida na face do seu amado planeta Terra, saindo dos ciclos encantadores de morte e renascimento contínuo por meio de um útero materno, para poder enfim escolher ir e vir como e quando quisesse sem apegos à forma, tornando-se soberana das leis da física pelas quais se regera e que continuamente transcendera. 


Tratava-se de um grandioso momento de celebração, esta chegada à dita encruzilhada. Desta vez encarnaria com uma panaceia muito específica de “poderes” - dádivas, mais propriamente - para assegurar que conseguiria passar por entre as finas malhas da dualidade, libertando-se finalmente do seu estado de “terráquea reencarnante”.



Faziam também parte dessas suas dádivas especiais, os companheiros e companheiras que lhe dariam suporte e que viriam com Ela, bem como aqueles a quem Ela providenciaria suporte, cada um na sua própria jornada única mas todos destinados a encontrarem-se e a tocarem nos corações uns dos outros, como uma mão do Céu que se move através de um fino espelho líquido - a ilusão - e que incendeia o rastilho da Verdade de cada um, no âmago das suas células.



Trouxe também qualidades que lhe fariam falta e que após tantas voltas por este planeta, estava ciente de serem essenciais, tais como a determinação, a perseverança, o foco, a jovialidade, a curiosidade, a inocência, a resiliência, a intuição, a clarividência, a teimosia (sim, essa era mesmo necessária), a criatividade, a generosidade, o empreendedorismo, a inspiração, a paixão (que seria por sua vez distilada até chegar ao seu ouro mais puro: o amor compassivo), a vitalidade, a confiança, a sociabilidade, a capacidade de ver mais além, a abertura … E claro, depois de aceder às qualidades da sua Alma: a simplicidade, a graciosidade, a beleza, a doçura, a flexibilidade, o equilíbrio, a harmonia, a serenidade, a clareza, a sabedoria, a compaixão, o amor, a assertividade, a firmeza, a estabilidade… para nomear apenas algumas das mais evidentes. 



Bem, todos sabemos que para cada qualidade, no contexto da experiência dual, Ela teria que enfrentar o seu reverso - todos os reversos vividos ao longo das suas vidas… o tão temido Lado Negro. E se era portentoso. Foi por isso mesmo que Ela se assegurou que traria consigo as pessoas, a emoções, as oportunidades e as criações que lhe despoletariam os gatilhos de dor, desespero, solidão e abandono, a falta de força, vontade, esperança e amor, a tristeza, a confusão, a angústia, a mágoa, a depressão, a raiva…de tal forma que a lâmpada interna se acenderia ao som de todos os alarmes, cujo ruído estaria por essa altura a um nível insuportável e ela diria, então: “Chega!” Um “já chega” tão firme que não haveria como voltar atrás ou duvidar do caminho a tomar. 


Alguns chamam-lhe uma montanha russa. A Ela apraziam-lhe mais termos como vulcão, tsunami, tremor de terra e outras catástrofes naturais que tendem a destruir e aniquilar tudo o que alcançam, para que o novo possa nascer dos seus escombros. 


Mais adiante, saltando alguns capítulos que não importam para o contexto desta história, chegou o momento em que Ela, Aeelah, Humano e Divino, colapsaram numa Unidade Plena, uma erupção de consciência tão forte, que os medos que ainda por ali se passeavam, implodiram no fogo de Ser, deixando um rasto de silêncio. Um silêncio de uma profundidade tal, que apenas o Amor se fazia sentir, o diamante puro a transparecer do seio da rocha da Ilusão. 


D’ora em diante encetou-se uma viagem completamente nova, requerendo a morte de tudo menos da sua Presença Física infundida de Ser, libertando-a do caminho do sofrimento e encaminhando-a para uma realidade de explorações conscientes, preenchida com compaixão, salpicada de alegre beatitude e entrelaçada com a visão inocente de um Humano que não precisa de saber pois sabe que é apenas uma faceta e neste saber rende-se em cada respiração à experiência do Divino através da mesma humanidade que outrora se sentira separada. 


Tivera muitas… se tivera… muitas ideias sobre a Mestria. A iluminação. A transcendência. A realização. A soberania. E todas elas tiveram que ser entregues ao seu compostor interno, pois na sua maioria, todas essas crenças estavam a léguas do que era na verdade a experiência propriamente dita destes marcos no caminho de Ser Um. Tão longe como a Terra fica de Farout (um planeta recentemente descoberto que se encontra na periferia mais longínqua do Sistema Solar :) )


Sabes, é que nesta vida Ela não escolhera ser um monge, padre, sacerdotisa ou freira. Não escolhera viver num mosteiro de espécie alguma, ou ir para o topo da montanha e habitar numa caverna, ou até mesmo nas profundezas da floresta. Não. Ela escolhera ficar tão integrada quanto possível numa vida Humana regular. A viver numa casa “normal”, com filhos, emprego ou algo do género, tendo que interagir com a sociedade e tendo que fazer parte do que comumente se chama de consciência de massas, sem no entanto pertencer-lhe ou seguir os seus princípios. Ela escolhera criar a sua própria Nova Terra dentro da Antiga, dispensando toda a hoste de títulos, métodos pré-fabricados, regras e crenças geralmente relacionadas com o que se chama de Espiritual. 


Em boa verdade, não podia ser mais prática, terrena e feliz com a sua condição Humana, a desfrutar dela a partir do seu Cume de Anjo interno, onde podia sorrir compassivamente e ver por entre as névoas cerradas da ilusão, encontrando o seu caminho mesmo quando parecia não saber onde colocar o seu pé para dar o passo seguinte. 


Uma coisa que rapidamente se deu conta, foi que a Unidade n’Ela ativou o que poderia chamar-se de Superpoderes que não passam da normalidade de estar-se inteiro. Isto, por sua vez, acarretava alguns desafios na interação com outros companheiros Humanos que ainda não se tivessem dado conta que eles também tinham um conjunto especial de “Superpoderes” - principalmente por terem pavor de enfrentar e abraçar a tão temida Sombra dentro si mesmos. Havia por isso quem não suportasse a Presença de Aeelah e quem não quisesse outra coisa, mas invariavelmente todos eram “abanados” pela faísca catalisadora da frequência que Aeelah emanava - a frequência da Inteireza para lá da Separação. 


Os Aspetos mais feridos e escondidos das pessoas que com Ela se cruzavam tendiam a vir ver quem Ela era, o que movia por sua vez emoções dentro dos seus corações. Emoções essas das quais não estariam conscientes anteriormente… E por vezes as pessoas queriam descobrir mais acerca destas emoções, mas outras acabavam por resistir valentemente à sua descoberta. 


Tanto quanto sabia, esta aptidão fazia parte daquela panaceia de capacidades especiais que Aeelah decidira trazer consigo como bagagem de suporte. Ela achara fantástico - uma dádiva incrível esta de se poder iluminar a Sombra, primeiro Ela consigo mesma e como consequência, todos os que se chegavam suficientemente perto - e que isso em si levaria à aceitação plena de tudo o que fora até então rejeitado e aprisionado em desamor. Por sua vez, todos se tornavam mais no Oceano e detinham-se menos em permanecer meras gotas, mais na Alma e menos na Personalidade, uma respiração de cada vez. De forma simples e sem esforço.


Parecera tão simples… E era. Quando permitido. No entanto isto também significava que muitas das pessoas que se aproximavam, logo tinham que afastar-se, não conseguindo ficar por muito tempo. O que não era um problema, pois em última instância, cada Um só pode realmente ficar consigo mesmo. Ainda assim, por vezes havia instantes de tristeza momentânea nos Adeus que poderiam ter sido o oposto, se ao menos o Humano tivesse escolhido de livre vontade receber o maior Amor de todos - o que traz dentro de si próprio sempre e que pode ver e sentir apenas quando não sucumbe aos gritos do medo que se impõe como mais soberano. 


Outra dádiva era essa mesma: a dádiva de dar! Sim!! Bem, Ela sabia que só se recebe o que já se tem e que viver a vida a partir de um ponto interno de abundância (o que se traduz em generosidade) gera naturalmente e sem esforço a mesma coisa: abundância, que parece vir de fora mas que todos sabemos que é apenas o irradiar do próprio brilho de cada um, refletido de fora para dentro, como de dentro para fora. 


Antes mesmo de Ela se ter lembrado que era ilimitada, tinha já implícito em si esse dar, claro - pois trata-se da sua natureza - mas o receber estava fechado… Até que se deu conta que tinha que receber-se a si mesma inteiramente. O Negro. O Claro. O Cinzento. Todas as cores das suas asas por essa altura ainda fechadas.


Outra causa de estar fechada para receber, fora a consequência de atrair os que “tiram” - aquilo a que se chama geralmente de abusadores. Nada de errado aqui. Era absolutamente necessário. Senão como é que Ela teria tido consciência dos seus próprios padrões abusivos? Estes atores na sua cena, faziam também eles parte daqueles que Ela trouxera na sua bagagem para assegurar que finalmente lá chegava desta vez. Lá, à Liberdade, entenda-se. 


Receber parecera assustador pois parecia sempre implicar condições. A crença que ninguém dá nada sem esperar algo em troca - que fora a sua experiência, isso sim e muitas vezes - gerava uma boa parte de defensividade, até que Ela começou a olhar com olhos de ver para o que Ela mesma esperava em troca do seu dar. 


Eis que viu que crescera com falta de amor, atenção e reconhecimento e era precisamente esta a sua busca externa. Apenas até ao momento em que ficou consciente que a única coisa que estas partes mal-amadas queriam era mesmo o amor dela, a sua própria atenção e reconhecimento! Ufa! Isso tornava tudo tão mais fácil! 


O que se seguiu foi Ela tornar-se uma fonte infinita de abundância. Uma dádiva que continua a dar, porque… Bem, simplesmente porque Ela vive no útero recetivo da Graça Divina. Segura, em paz e plena de amor. 


Havia apenas um pequeno desafio com o ser-se a própria dádiva que perenemente dá. Em termos práticos, e uma vez que a maioria dos Seres Humanos tinham e têm as suas próprias particularidades em torno da recetividade de si mesmos de retorno a Casa, de e para consigo próprios, ou por outras palavras, têm as suas resistências em encarar os seus lugares internos mais sombrios, e até que haja uma sensação de escassez, de não se ser o suficiente, o proverbial não merecimento tão característico da Separação, as pessoas tendiam a sentir-se assoberbadas com a sua Presença generosamente abundante, especialmente quando se aproximavam mais. 


Aquela vozinha que nega a possibilidade de se poder receber tanto, de se achar que não se consegue igualar essa abundância, de não se ter a certeza se se pode confiar que Ela não está mesmo à espera de algo em troca - que ela possa ser tão só isso: abundância infinita. Tal como cada um deles é. E isto - isto é o que realmente assusta e afasta as pessoas. Esta é a verdadeira dádiva da sua Presença. E só pode ser recebida dentro de si mesmo conforme cada um se recebe a si próprio, à inevitabilidade da sua própria abundância, uma respiração de cada vez. 


Ao considerar este “superpoder” como parte essencial da sua caixa de ferramentas de transcendência para esta encarnação, não houvera dúvida alguma que ele representava o bilhete para a liberdade da ilusão. E da mesma forma que lhe serviria a Ela neste propósito, serviria naturalmente quem se cruzasse no seu caminho, pois todos eram em última instância parte dela mesma na sua própria criação, tal como Ela era parte intrínseca deles nas suas próprias realidades. Uma garantia de salvo-conduto de retorno a Casa, sem qualquer possiblidade de erro.  


Ainda assim, isto também significava que apenas aqueles que estivessem dispostos a ativar e a viver com os seus próprios “superpoderes” disponíveis, poderiam ficar junto d’Ela. 


E eis que muitas vindas e idas se tornaram a normalidade da sua experiência. Muitos entravam e depois saíam após algum tempo, ficando apenas enquanto conseguiam “suportar” a realização da sua própria grandeza, a compaixão da sua própria Essência.


Mas sedutora como era, a separação continuava a bater-lhes à porta até que a abrissem, ganhando com frequência precedência sobre a doce reunião interna. Apenas mais uma volta. Apenas mais uma aventura na busca de algo que talvez ainda estivesse algures lá fora. Mais uma viagem no comboio do “não sou o suficiente”. 


E Ela… Ela ficava. Mirando as portas rotativas do seu fluxo, conforme os muitos saíam e os poucos ficavam… Periodicamente renovados.


O caminho de um Mestre é feito a sós. Em Unidade. Assim abaixo como acima. Vivenciando em termos Humanos, no mundo da forma, o facto incontornável que não importa quem vem e vai, quem fica ou parte. Importa apenas, tão só e simplesmente, ser-se a dádiva perene. 




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