Prostrado no chão, com a cabeça nos joelhos e a cara nas mãos, Sebastião desfaz-se em prantos, sentindo-se completamente perdido e desamparado, mas também farto até ao tutano.
“Não aguento mais! Estou farto! De tudo! Se ao menos pudesse desaparecer!”
Já lá vão longos tempos. Tempos infinitos, afigura-se-lhe. Desde que Sebastião se deu conta que tinha que encontrar uma saída para esta luta, este sofrimento, esta confusão dentro de si que não tem qualquer resultado, nem fim, nem amnistia, que a sua ansiedade que isto termine tem crescido e crescido, levando-o até à beira do precipício do desespero. Não porque a sua vida não seja o que a maioria das pessoas chamam de boa. De facto mais do que isso: excelente segundo os desígnios comuns. Tem aparentemente tudo o que a maioria das pessoas almejam: uma casa, um emprego, um carro, dinheiro suficiente no banco, amigos, uma relação mais íntima aqui e a li, laços de família… Tudo.
E ainda assim Sebastião sente que lhe falta algo. Algo que ele entretanto já sabe ser ele próprio! O problema é que não consegue alcançar-se. A este ele que lhe falta. E não pode continuar assim. A fingir que está tudo bem quando dentro dele parece haver um manicómio. Sente-se como um monte de destroços.
Por isso decidiu ficar em casa alguns dias para entrar em contacto íntimo com tudo isto que sente. E é precisamente por esse motivo que se está a tornar insuportável. Até que ele vê.
De joelhos no chão. Desesperado. Ele vê! Tem estado zangado com a sua Mente por estar sempre a querer controlar quando ele lhe tem ordenado que se cale. Zangado com o seu corpo por não ser um lugar seguro em que ele possa confiar. Zangado com a sua Alma por não vir salvá-lo desta confusão. Zangado com Deus por não estar ali para ele quando ele precisa. Zangado com todos os outros por não perceberem e por tornarem a sua vida miserável de tantas e variadas formas. Zangado com a vida por ser tão vã. Zangado com a morte por ser uma perda. Zangado consigo mesmo por fazer tudo mal e nunca ser capaz de acabar com esta merda de sofrimento em que se encontra. Zangado. Zangado. Zangado. De certeza que não pode ser merecedor. Ele não é com certeza o suficiente. Não com tudo isto a deambular dentro dele! É uma fachada infame este Ser Humano que ele finge ser e devia ter vergonha do espaço que ocupa. Até mesmo do ar que respira.
Ele vê! Vê-se a sentir-se uma vítima, sem forças e incapaz. Vê-se a levar tareia até ficar completamente desfeito em fanicos, açoitado por cada pensamento julgador que tece na sua mente. Vê-se a precisar desesperadamente de ser salvo. Vê tudo isto e percebe que afinal tem sido esta a sua forma de criar energia vital - a energia para manter-se aqui. Tem sido este o seu fuel. A raiva. A depressão. A dúvida. A necessidade. O não merecimento. A luta. O medo. Tudo isto tem sido a sua forma de angariar energia para sobrevier. Para obter atenção. Reconhecimento. Pena. E não conhece outra forma. Mas sente que ela existe. Tem que existir.
Sebastião deita-se para trás, de costas no chão, sentindo-se exausto e e sabendo que lhe cabe a si a escolha de largar este jogo. E então dá-se conta que ainda não o largou porque o jogo tem estado ao seu serviço. Não sabia nada para além desta forma de viver. De estar. E por isso foi perpetuando este círculo vicioso que de uma forma estranha passara a amar. Tornara- se sedutor descobrir mais sobre este caminho. Mesmo depois de saber que não havia nada de novo para acrescentar. Mas enfim, cada um tem a sua quota limite para o “já chega” e pelos vistos a de Sebastião estava a pontos de rebentar pelas costuras.
Era um alívio poder reconhecer tudo isto mas também havia uma certa tristeza. Uma espécie de luto por saber que não podia continuar a manter um pé de cada lado… pelo sim pelo não. Tinha mesmo que largar o velho jogo totalmente para que a paz se estabelecesse dentro de si - entre todas estas partes em oposição. Paz na aceitação de tudo. Permitindo. Finalmente permitindo à sua Alma que se aproxime. Que entre. Que o segure em compaixão total.
Não se tratava de escolher o caminho certo ou errado mas de escolher o caminho pelo qual ele definia seguir - cada um com a sua energia e resultado. E era certo e sabido que ele não ía escolher ficar onde se encontrava agora. Já chegava! Ainda assim não podia haver rejeição do que fora. Do que era.
“Hmmm os jogos que jogamos!” Pensou Sebastião de si para consigo mesmo.
Fechou os olhos e respirou fundo. E ficou. E permitiu. E abraçou, E chorou. E largou. E permitiu ainda mais. E com cada abraço, com cada deixar ir, sentia~se mais livre e mais leve. O seu coração a abrir-se como uma rosa que gentilmente desvenda a sua beleza para o mundo inteiro.
Ha! Vulnerável. Não quisera sentir-se assim. Nunca. Ainda que ironicamente não poderia ter estado mais vulnerável do que quando imerso no medo. As ilusões em que acreditamos! Esta abertura dava-lhe uma segurança que nunca sentira antes. Nunca. E não havia mais nenhum lugar onde ir. Nada mais a buscar. Estava tudo aqui e ele estava a permitir-se. Ficar. Amar.
Texto: T. C. Aeelah
Foto: Vlad Chetan
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