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sexta-feira, 12 de março de 2021

O Deserto da Sabedoria

 O Deserto da Sabedoria


Vazio. Nada. Silêncio. Eis o reino de Ser.

Um serenar. Um sussurro acolhedor. Uma pausa tranquila no seio da imensidão de experiências, onde o vazio te assume.

Sem necessidades, quereres, esperanças, sonhos e expetativas. Nem um ondular sequer, no vasto lago da Essência. Pura. Simples. Absoluta quietude.

Sem aspirar a nada, questionar, buscar, entreter um pensamento. Apenas ficar. Em ditosa presença. Embevecido de contentamento, no agora da Confiança absoluta.

Mais nada para ser. Nenhum outro lugar onde ir.

É aqui que a dúvida colapsa, que a luz e a sombra se alquimizam no todo e que Eu, Tu, nós nos tornamos num mero piscar de olhos da própria existência.

O convite? Permite. Completamente. Rende-te. Deixa ir. Deixa Ser.

***

Conforme o infindável rio da existência flui, em absoluta quietude e ainda assim em permanente devir, nós caminhando despertos neste reino físico, pode parecer difícil largar a necessidade de saber mais, de aprender mais, de trabalhar na nossa senda evolutiva, de nos esforçarmos por algo melhor… E ainda assim o convite persiste. Simplesmente respira e permite.

Parece tão enigmático, talvez simples demais, talvez uma charada. Mas não. É apenas isto. Abre-te para o teu todo. Inspira-o, respira~te Presente. E permite. Então o todo pode vir. Pode encontrar-te. Pode permear-te e dissolver-te.

Apenas te pode alcançar aqui mesmo. No espaço seguro e amplo do teu permitir, onde a respiração te segura e te entrega a Deus em ti.

Muitos são os desertos que atravessamos à medida que nos despimos das camadas sucessivas de personificação. À medida que vimos a Ser.

Fica em paz com a sensação de estranheza. Com o não saber. Com o parecer que nada está a ocorrer. Com o não seres capaz de sequer ver quem eras.

Fica. Apenas. Respira. Funde-te neste deserto.

E então sabes. Sabes que sabes.

***

Podemos escolher ir tentando e…

Na nossa alquimia evolutiva muita é a magia que a nossa Essência nos oferece, constantemente. Todos os dias. Todos os momentos. Mas até que finalmente se renda, a Mente Humana insiste em meter-se no caminho. Tentando compreender. Tentando proteger-nos. Tentando entreter-nos. Tentando negar a simplicidade, o fluxo e a perfeição cristalina de todas as coisas. Tentando enevoar a clareza e provar que sabe mais e melhor. Lutando pela sobrevivência do que pensa funcionar e provando-se o Mestre de todos os nossos reinos.

E depois mais magia ocorre. Paramos. Se a virmos, agradecemos… E talvez nos rendamos, ou… Voltamos ao giro sedutor da Mente com as suas infindáveis distrações.

E acontece uma e outra e mais outra vez. Continuamente. Até que chegamos à massa crítica inversa e a nossa Essência retira-se gentilmente, ficando em modo de espera por tempo indeterminado. Apenas porque escolhemos ir pela via do Livre Arbítrio humano vezes suficientes para mostrar que nos servia melhor do que rendermo-nos à nossa sabedoria mais vasta. E agora estamos embrulhados, perdidos por mais algum tempo. Como se temêssemos ter saudades deste tipo de experiência com um pé dentro e outro fora se nos rendermos por completo.

A Mente Humana torna-se a regente. Tão exímia que se mascara de Alma. Finge ser Deus e produz soluços de ilusionismo que podem parecer a magia da Essência mas quando sentidos, são definitivamente ocos de simplicidade e graciosidade.

Mais uma vez se tornará necessário um momento surpreendente, ou chocante, um abanar suficientemente forte para nos questionarmos de novo. Será talvez isto que temos pena de deixar ir, quando colapsarmos definitivamente para além da ilusão? A excitação dos despertares intermitentes?

***

Ou podemos ir pelo caminho do permitir e…

O julgamento vem. Sorris, ficas e deixas ir.

A necessidade de saber vem. Sorris, ficas e deixas ir.

A necessidade de compreender vem. Sorris, ficas e deixas ir.

A necessidade de definir vem. Sorris, ficas e deixas ir.

A necessidade de lutar contra ou a favor vem. Sorris, ficas e deixas ir.

O impulso para fugir vem. Sorris, ficas e deixas ir.

O anseio por algo mais, o hábito de sair do corpo para experienciar o universo vem. Sorris. Desta vez vais ficar. Não vais vaguear por nenhum outro lugar lá fora. Esta é a tua Casa.

O receio de que possa doer vem. Sorris, ficas, permites-te sentir e deixas ir o medo.

O impulso para trabalhar nas histórias, para procurá-las, para destrinçá-las vem. Sorris, ficas, deixas ir o impulso e permites que o que te pode servir se mostre a seu tempo, por si só.

A negação, a pretensão que podes talvez fingir-te realizado, que talvez não precises de te lembrar, de reconhecer, de aceitar, de abraçar compassivamente todas as tuas experiências, especialmente aquelas em que tu foste quem mais julgas nos outros, aquele que rejeitas ou desprezas em ti, aquele que provocou e sofreu dores físicas e emocionais inomináveis… a negação apresenta-se. Sorris. Mas agora ficas. Agora estás pronto para completar a alquimia para além da ilusão. Agora escolheste renunciar aos jogos de separação e experienciar a reunião.

Aquelas partes de ti que foram até este momento rejeitadas, não amadas, fingidas não existir, vêm adiante. Sorris. Ficas. Abres-te e abraças-las. Permites que se dissolvam e deixas ir.

As crenças acerca da mestria, da iluminação, da realização, da beatitude e plenitude… vêm. Sorris. Ficas. E deixas-las ir. Uma a uma. Passando diante do teu vazio. Permitindo-te apenas saber no momento. Sem antes nem depois.

A tua necessidade de lições, testes e dificuldades transmuta-se na sabedoria de que tudo está bem em toda a criação… mesmo que agora seja difícil acreditar nisto. Simplesmente sabes.

O teu Sim é inabalável. O teu passo é firme e seguro, sentindo o solo firme da tua Essência, à medida que todo o restante chão se desfaz no caldeirão da eternidade.

Vês. Pedes e aceitas ajuda se sentes que precisas dela e sabes que ao fazê-lo não estás a ser menos ou fraco. Estás apenas a receber a abundância que está disponível para ti de todas as formas possíveis quando dizes que Sim.

Dás-te conta que a vulnerabilidade é liberdade e que a humildade é uma entrega tão grande que não precisas de ficar agarrado a nenhuma identidade em particular.

Dás um passo atrás e paras de trabalhar no teu processo, permitindo que o “trabalho” se faça para ti, apenas ao ficares. Aqui. Agora. Na tua sabedoria mais expandida.

A tua Presença toma conta de ti assim como tu convidas a sua gentileza e sabes que tudo está a desenrolar-se com imaculada perfeição. A vida uma dádiva sempre ao teu serviço.

***

Estás à beira do abismo pronto para saltar e ouves uma voz “Nãaaaaaao, não faças isso! Vais morrer!”

Mas desta vez sabes que este medo não é quem realmente és. Preferes morrer do que ficar à beira do precipício.

“Não temas, amado Humano”… Sussurra a Alma. “Apenas o deserto pode preencher todos os teus desejos e pôr fim à busca.”

Saltas. Apesar da voz do medo. E ela desaparece. Silêncio. Descobres que não havia nada a temer. Agora não sabes quem és mas já não importa. Estás em Casa. E não há mais nada. Tudo o que És está aqui.

***

A pergunta: escolhes pôr fim à busca?

***

Vazio. Nada. Silêncio. Eis o reino de Ser.


Photo by Amine M'Siouri from Pexels








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