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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A Essência do Espírito

De um trabalho que fiz em 2004 para a disciplina de Psicossociologia, com o título de Programação Positiva

A ESSÊNCIA DO ESPÍRITO -
UMA HISTÓRIA


Segue uma história derivada do Chandogya Upanishad, um dos mais importantes textos Vedânticos. Esta história descreve de forma sublime a natureza do Ser não local.
“Há milhares de anos o grande sábio Uddalaka Aruni enviou o seu filho Svetaketu, de 12 anos, a um grande guru para que o rapaz pudesse aprender aprofundadamente acerca da realidade mais transcendente.
Durante 12 anos Svetaketu estudou com o seu mestre e memorizou todos os Vedas (ciências ou conhecimento). Quando Svetaketu regressou a casa, o seu pai reparou que o filho agia como se tivesse aprendido tudo o que havia para aprender. Então Uddalaka decidiu fazer uma pergunta ao seu filho.
“Meu sábio filho, o que é aquilo que não pode ser ouvido mas que possibilita a audição, que não pode ser visto mas que possibilita a visão, que não pode ser conhecido mas que possibilita o conhecimento, que não pode ser imaginado mas que possibilita a imaginação?”
Svetaketu ficou perplexo e silencioso.
O seu pai disse, “Quando conhecemos uma única partícula do barro, todos os objectos de barro são conhecidos. Quando conhecemos um único grão de ouro, todos os objectos de ouro são conhecidos. A diferença entre uma jóia de ouro e outra reside apenas no seu nome e na sua forma. Na realidade todas as jóias de ouro são apenas ouro, e todos os potes de barro são apenas barro. Podes dizer-me meu filho, o que é essa coisa única cujo conhecimento traz o conhecimento de tudo?”
Svetaketu respondeu, “Infelizmente o meu mestre não me deu esse conhecimento. Podes fazê-lo tu?”
“Muito bem,” disse Uddalaka. “Deixa-me dizer-te. Todo o universo é uma realidade, e essa realidade é a consciência pura. A consciência pura é a existência absoluta. É Um que não é seguido de um Dois. No início o Um disse para si mesmo, “diferenciar-me-ei em muitos, tornando-me assim todos os que vêem e tudo o que se vê”. O Um entrou nos muitos, e tornou-se no Ser de cada um. Os seres de todas as coisas são o Um, e esse Um é a essência subtil de tudo o que existe. Tu és isso, Svetaketu. Desta mesma forma, as abelhas fazem o mel a partir do néctar de muitas flores, mas uma vez que o mel esteja pronto o néctar não pode dizer “eu sou desta flor, ou daquela”. De igual forma, quando te unes ao teu Ser virtual unificas-te com o Ser de tudo o que existe. Este é o verdadeiro Ser de tudo, e Svetaketu, tu és isso”.

O jovem respondeu, “Elucida-me mais, meu pai”.
Uddalaka fez uma pausa antes de falar novamente. “ O rio Ganges flui para leste. O rio Indo flui para oeste. No entanto, em última instância, ambos se transformam no mar. Tendo-se tornado no mar, não pensam mais “eu sou o Ganges” ou “eu sou o Indo”. Do mesmo modo meu filho, tudo o que existe tem a sua fonte no Ser não local, e esse Ser é a essência mais subtil de tudo. É o verdadeiro Ser. Svetaketu, tu és isso.”
“Quando o rio seca e morre, o Ser não morre. O fogo não consegue queimá-lo, a água não consegue molhá-lo, o vento não pode secá-lo, as armas não podem despedaçá-lo. É inato, sem início nem fim. Está para além das fronteiras do espaço e do tempo, permeando todo o universo. Svetaketu, tu és isso.”
“Elucida-me mais, pai,” replicou entusiasticamente Svetaketu.
Uddelaka disse, “traz-me uma fruta da árvore nyagrodha”.
Svetaketu trouxe a fruta.
“Abre-a”.
Svetaketu assim fez.
“O que vês, meu filho?”
“Pequenas sementes, meu pai”.
“Desfaz uma agora”.
Svetaketu desfez a pequena semente.
“Que vês, meu filho?”
“Vejo que nada resta, meu pai”.
“Aquilo que não vês é a essência subtil, e toda a árvore nyagrodha provém daí. Da mesma forma o universo emerge do Ser não local”.
Finalmente Uddelaka pediu a Svetaketu que colocasse um cubo de sal num balde de água. No dia seguinte o sábio pediu ao seu filho para que este lhe desse o cubo de sal de volta.
“Não posso dar-to de volta”, respondeu o jovem. “Dissolveu-se”.
Uddelaka pediu ao seu filho que provasse a superfície da água. “Diz-me, como está?”
“Está salgada, meu pai.”
“Prova-a no meio e vê como está”.


“Está salgada, meu pai”.
Prova-a no fundo e diz-me como está”.
“Está salgada, meu pai”.
“Tal como o sal está localizado no cubo e disperso na água, assim também está o teu Ser simultaneamente localizado no teu corpo e disperso no universo inteiro”.
“Meu querido filho”, disse Uddelaka, “não percebes o Ser no teu corpo, mas sem ele a percepção não seria possível. Não consegues compreender o Ser, mas sem ele a compreensão não seria possível. Não consegues imaginar o Ser, mas sem ele a imaginação não seria possível. No entanto, quando te tornas no Ser e vives a partir do nível não local do Ser, estarás ligado a tudo o que existe, pois o Ser é a fonte de tudo o que existe. A verdade, a realidade, a existência, a consciência, o absoluto – chama-lhe o que quiseres, esta é a última realidade, o solo de toda a existência. E tu és isso, Svetaketu.”
“Vive a partir deste nível, Svetaketu, e todos os teus desejos realizar-se-ão, pois não são apenas os teus desejos pessoais, estarão alinhados com os desejos de tudo o que existe.”
Svetaketu praticou tudo o que tinha aprendido e tornou-se num dos maiores mestres da tradição Vedântica.


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